Não vamos casar !

Detesto casamentos. Detesto particularmente casamentos de Verão. Detesto as filas de carros a buzinar com merdinhas brancas penduradas nas antenas. Detesto a hipocrisia do casamento, do dia, do contrato e da instituição. Se também detestas algumas destas coisas junta-te ao club

segunda-feira, janeiro 31, 2005

Eu só queria uma vida nomal

Enganei-me e tropecei no progama do Alvim, que eu, por sinal, odeio, mas chamou-me a atenção, porque estava um gajo, comum mortal, a falar de surpresas, segundo ele a maior surpresa que já tinha feito foi, pedir a namorada em casamento, no Continente, no corredor das bolachas, e particularizou ainda, que tinha olhado para as bolachas Maria da Cuétara, para ganhar coragem. Agora digam-me, isto é muito estúpido, ou é impressão minha? Porque é que alguém pensa que interessa aos ouvintes de uma rádio saber isto? Porque é que não são obrigatórios testes de Q.I., para participar nestes fóruns que pululam pelas rádios? Porque será que pelo menos metade das pessoas que participam neles não dizem uma palavra que interesse sequer ao menino Jesus (e olhem que o menino jesus esforça-se por se interessar por todas as coisas)? Mas ele não se ficou por aqui... E agora vem a melhor parte... Disse ainda que ainda vai fazer-lhe ("à namorada, futura esposa, ai, que isto ainda custa a dizer!") uma surpresa maior ainda... e o resto fica para a noite...

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Poema sem data

Quisera eu o mar,
e as pedras,
polidas,
pelo sal,
pela água,
pela incidência insistente...
Quisera eu a lua,
cheia, de ilusões,
brilhante de sonho,
oculta dos meus amores...
Quisera eu a Primavera,
futilidades do romantismo
que a enaltece,
primorosa,
radiante, em flor...
Quisera eu o sol,
e choveria, na certa,
na margem sempre
incompleta
do que nunca serei...
Desejo...
Desejo tudo,
e apenas o que não ouso,
nem sonhar,
se perpétua,
se arrisca,
treme e foge,
a luz, arisca,
da minha felicidade.
E se um momento imagino,
quando ele passa,
já partiste,
e apenas o teu sabor,
permanece para me atormentar...
Quisera eu ter-te,
e nunca te teria,
por isso não quero, nem desejo,
e evito o sonho,
espanto-o com outras quimeras...
E tenho a vida triste,
que não queria,
um dia ousei,
no seguinte desespero,
agora,
porque a fronteira
dos dias,
das horas,
perde-se na memória,
retornando ao instante,
à audácia,
à indiscritível amabilidade de um beijo.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

"Livro do Desassossego"

"11.
LITANIA
Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos - um poço fitando o Céu.
28. Hálito de música ou de sonho, qualquer coisa que faça quase sentir, qualquer coisa que faça não pensar.
60.
INTERVALO DOLOROSO
Se me perguntardes se sou feliz, responder-vos-ei que o não sou.
146.
Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.
186.
Prouvera aos deuses, meu coração triste, que o Destino tivesse um sentido! Prouvera antes ao Destino que os deuses o tivessem! Sinto às vezes, acordando na noite, mãos invisíveis que tecem o meu fado. Jazo a vida. Nada de mim interrompe nada.
212.
Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.
276.
Uma opinião é uma grosseria, mesmo quando não é sincera. Toda a sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto, não há liberais.
304.
A fé é o instinto da acção.
325.
Ficções do interlúdio, cobrindo coloridamente o marasmo e a desídia da nossa íntima descrença.
372.
APOTEOSE DO ABSURDO
Absurdemos a vida, de leste a oeste.
390.
Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior.
459.
Gostava de estar no campo para poder gostar de star na cidade. Gosto, de estar na cidade, porém com isso o meu gosto seria dois.

Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa

Parabéns, querido amigo!

Hoje fui à apresentação do livro do meu amigo Pedro Fonseca, da Covilhã, eminente Mestre em Ciência Política, e do Dr. Pulido, João Garcia. O Livro chama-se "O Petróleo e Portugal - O complexo Mundo do Petróleo e o seu impacto no nosso país". Foi no IDN, Instituto de Defesa Nacional, tutelado pelo senhor-ministro-demissionário da Defesa e dos Assuntos do Mar, representado pelo senhor-secretrário-de-estado-demissionário da Defesa e Antigos Combatentes Jorge Neto, ex-Deputado da Assembleia da República. Senti-me mesmo orgulhosa e podem crer quando eu digo que este livro deve ser o mais avançado e á frente no nosso país, sobre esse mundo tão obscuro que é o petróleo. Mais uma vez, parabéns Pedrinho. O Livro é da Editora Tribuna da História - Edição de Livros e Revistas, Lda. Comprem que vale a pena.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

O desespero de não ter um emprego

Sei que sou uma pessoa priveligiada. Sempre fui. Sempre trabalhei enquanto estudava. Adoro trabalhar, é o que mais gosto de fazer na vida, já que não tenho os consolos e a ternura do amor, e mesmo que tivesse. No entanto, não consegui até agora encontrar um emprego. Já perdi a conta aos currículos que enviei e entreguei em mãos, e nada. Estou a dar em doida. Não tenho vontade de fazer nada, de comer, de dormir, até em estar com os meus amigos sinto relutância. E assim entrei neste círculo vicioso e neurótico que me vai destruindo na medida do passar dos dias. Este fim-de-semana foi verdadeiramente dramático para mim. Sinto que passo a vida a lutar contra moinhos de vento e eles ganham sempre. Em tudo. E a teoria das compensações persiste em não funcionar, podia acontecer de não ter umas coisas, mas ter outras, mas o que é certo é que as únicas coisas que tenho são a minha família disfuncional e os meus amigos, sendo que quando estou assim nem me apetece vê-los, pois sei que não sou a pessoa que eles adoram, não consigo obrigar-me a sê-lo, e desagrada-me desiludi-los.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Eugénio de Andrade

O pai Paulouro quando fala dele costuma citar uma expressão emblemática que eu repetia em surdina, para dentro, com o gozo de saber por instinto, que seria aquele o elogio às aldeias da Beira Baixa, como a Póvoa da Atalaia, que a sua oratória íria, e com toda a propriedade, proferir.

Desde adolescente que uso uma expressão de um dos seus poemas à mãe para me despedir nas cartas mais dolorosas, mais tristes é quase inevitável que aquele derradeiro fim não faça uma qualquer pedrinha chorar.

Eu, de uma forma diferente, vejo agora o vazio que teria na minha vida, se porventura, não tivesse percorrido e amado, quantas vezes tão dolorosamente, essas lindas, simples e pobres (mas ricas de humanidade) aldeias da beira beixa, particularmente do Fundão. As suas vielas de granito ou xisto respiram por elas próprias, o campo ajuda o seu marulhar de esperança e a vida persiste lânguida e vagarosa no seu ritmo indescritível.

É verdadeiramente o profeta dos amores difíceis mas inevitáveis e inadiáveis

terça-feira, janeiro 18, 2005

O meu jardim

Eu adoro flores, plantinhas, todas as pequenas pérolas verdes e coloridas que deleitam os meus olhos pela sua singela beleza e inocência extrema. Tenho três plantas. Gosto muito delas e estimo-as com carinho, falo com elas, mudo-as de vaso e deixo-as ao sol todo o dia a disfrutar da sua maravilhosa existência. A mais velha, a "violeta", ja tem três anos, a do meio, a "princesa", um e meio e hoje comprei uma nova à qual chamei "espevitadita", porque foi a primeira característica que vi nela e no fundo o que me conquistou. Julgo que esta não dá flores, ao contrário das outras, se der será uma agradável surpresa para o início da Primavera, quando as violetinhas-bébes e as princesas-bébes abrirem. Mas não, esta não vai dar flores, mas vai crescer e fazer uma bela planta verde, unicamente verde. Ando à procura de outra, que dê flores, mas não encontro nenhuma que me fascine.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Só queria que a minha pena algum dia igualasse a deles!!!

"Carta a Adolfo Casais Monteiro
Lisboa, 13 de Janeiro de 1935
Meu prezado Camarada:

Muito agradeço a sua carta, a que vou responder imediata e integralmente. Antes de, propriamente, começar, quero pedir-lhe desculpa de lhe escrever neste papel de cópia. Acabou-se-me o decente, é domingo, e não posso arranjar outro. Mas mais vale, creio, o mau papel que o adiamento.
Passo agora a responder à sua pergunta sobre a génese dos meus heterónimos. Vou ver se consigo responder-lhe completamente.
Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos – felizmente para mim e para os outros – mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e cousas parecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...
Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora fazer-lhe a história directa dos meus heterónimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro – os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida.
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas cousas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as cousas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar.
Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou, antes, o meu primeiro conhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos nitidez, de uma outra figura, cujo nome já me não ocorre mas que o tinha estrangeiro também, que era, não sei em quê, um rival do Chevalier de Pas... Cousas que acontecem a todas as crianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram realidades.
Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura – cara, estatura, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto, vejo... E tenho saudades deles.
(Em eu começando a falar – e escrever à máquina é para mim falar –, custa-me a encontrar o travão. Basta de maçada para si, Casais Monteiro! Vou entrar na génese dos meus heterónimos literários, que é, afinal, o que V. quer saber. Em todo o caso, o que vai dito acima dá-lhe a história da mãe que os deu à luz.)
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas cousas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
Quando foi da publicação de Orpheu, foi preciso, à última hora, arranjar qualquer cousa para completar o número de páginas. Sugeri então ao Sá-Carneiro que eu fizesse um poema «antigo» do Álvaro de Campos – um poema de como o Álvaro de Campos seria antes de ter conhecido Caeiro e ter caído sob a sua influência. E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver ainda qualquer traço de contacto com o seu mestre Caeiro. Foi dos poemas que tenho escrito, o que me deu mais que fazer, pelo duplo poder de despersonalização que tive que desenvolver. Mas, enfim, creio que não saiu mau, e que dá o Álvaro em botão...
Creio que lhe expliquei a origem dos meus heterónimos. Se há porém qualquer ponto em que precisa de um esclarecimento mais lúcido – estou escrevendo depressa, e quando escrevo depressa não sou muito lúcido –, diga, que de bom grado lho darei. E, é verdade, um complemento verdadeiro e histérico: ao escrever certos passos das Notas para recordação do meu Mestre Caeiro, do Álvaro de Campos, tenho chorado lágrimas verdadeiras. É para que saiba com quem está lidando, meu caro Casais Monteiro!
Mais uns apontamentos nesta matéria... Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 in de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É, um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.
Como escrevo em nome desses três?... Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.)
Nesta altura estará o Casais Monteiro pensando que má sorte o fez cair, por leitura, em meio de um manicómio. Em todo o caso, o pior de tudo isto é a incoerência com que o tenho escrito. Repito, porém: escrevo como se estivesse falando consigo, para que possa escrever imediatamente. Não sendo assim, passariam meses sem eu conseguir escrever. (1)
Creio assim, meu querido camarada, ter respondido, ainda com certas incoerências, às suas perguntas. Se há outras que deseja fazer, não hesite em fazê-las. Responderei conforme puder e o melhor que puder. O que poderá suceder, e isso me desculpará desde já, é não responder tão depressa.
Abraça-o o camarada que muito o estima e admira.

Fernando Pessoa
14-1-1935
P. S. (!!!)"
p.s.2 - acho que este é o maior post do meu blog, espero que tenham paciência para o ler, pois é lindo. Faz hoje 69 anos que o Fernando Pessoa escreveu esta carta. Onde está o 5º império?

terça-feira, janeiro 11, 2005

"Contrariedades"

"Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente"

1ª estrofe do poema de Cesário Verde

"As Palavras"

São como um cristal,
as palavras.
lgumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?"

Eugénio de Andrade - Poemas (1945-1965)

Um grande bem-haja a este poeta da Póvoa da Atalaia que escreveu e espero que ainda escreva, tão lindos poemas.


"Poema a boca fchada"

"Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem os dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo"

José Saramago, "Os poemas Possíveis"

O que os partidos políticos precisavam era que ninguém votasse neles, em nenhum deles

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Coimbra - a maravilhosa cidade dos estudantes e da universidade

Tinha muitas saudades tuas, cidade sinuosa pelos teus interstícios da chuva que desta feita não nos brindou com a sua companhia. Todas as subidas, a imponência omnipresente da universidade e dos seus estudantes.
Eu pensava que o English era a discoteca mais estranha, mas a Dom Diniz ultrapassa-o. 1º todos os homens que trabalhavam lá usavam bigode, 2º eram quase todos homens, 3º ocupa o espaço de um antigo hospital, morgue incluída; 4º tem inúmeros espaços com ambientes e níveis de som diferentes; 5º não estava cheia, mas estava composta.
Jantei na Rua da Sofia, quase em frente da Igreja de Santa Cruz, onde o meu querido e carinhoso avô foi baptizado há muitos, muitos, muitos anos atrás.
O Benfica perdeu, e tenho de admitir que justamente, o Sporting jogo um bocadinho melhor, mas quase nada. Parecia um jogo mau dos piores clubes de uma distrital. Que tristeza!!! O jogador do sporting foi expulso por um toquezinho de nada, e o do Benfica, nem tocou no gajo. É uma tristeza ver estes dois clubes a jogarem à bola assim. Bom, na verdade, se o benfas não ganha, prefiro que ganhe o sporting. E isto é mesmo assim!
Tirando esse pormenor, foi fantástico, mesmo extraordinário. Parabéns xanito e para o ano aí estarei outra vez. Espero.
Vi a Regina. Ela estava para atravessar a passadeira e eu não parei! oops! Mas ela não me viu e eu não tive tempo para chamar.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Ao que isto chegou!!!!

A decadência do nosso país, particularmente da classe política tem ultrapassado todos os limites, uns fazem umas centenas de outdoors, usando a imagem de um homem morto e de um pseudo dissidente para fazer campanha política, claro que não tendo o vivo dado autorização, lá vão centenas de outdoors para a reciclagem, algumas milhenas de euros para o lixo. Os outros, tendo um deputado sob suspeita de ser pedófilo, sim, porque, meus senhores, da suspeita ele nunca se vai livrar, uma vez que nem julgado vai ser, metem-no nas listas, num lugar não elegível, mas nas listas, que é o mesmo que meter uma grande personalidade num lugar não elegível, mas ao contrário, tipo "mancha negra" em lugar não elegível. Sempre que eu penso: pronto! agora bateu no fundo, a partir de agora é sempre a subir, não, eles fazem qualquer coisa ainda pior. E depois há aquelas discussões estéreis, ao bom estilo do gato fedorento, de: o-vosso-legado-é pior-que-o-nosso; não-não-o-vosso-legado-foi-pior-que-o-nosso". Aliás, neste momento julgo não haver qualquer comédia que chegue aos calcanhares dos debates políticos que as nossas televisões transmitem. Ainda ontem, no programa Parlamento, na 2, liga para lá uma senhora desinformada, ou pouco informada, não sei bem, que pergunta: "Mas afinal os senhores deputados defendem os programas nacionais, ou o distrito pelo qual são eleitos?". Até aqui tudo normal. A senhora pode legitimamente não saber que os deputados estão obrigados pela Constituição a defenderem e representarem "a nação", todos os portugueses. Esta regra tem implicita a proibição de qualquer deputado defender interesses regionais de qualquer espécie. Os distritos são meramente divisões dministrativas e eleitorais, nem mais, nem menos. Seria de esperar que agum dos senhores deputados presentes no programa, ou mesmo o moderador, tivessem tido a bondade de esclarecer esta questão, qual não é o meu espanto, além de nenhum o ter feito, as suas respostas tipo "nim" evasivas, se apontassem nalgum sentido era no de que os deputados tinham de defender os interesses regionais. Custava muito ser sérios? pelo menos uma vez, sem exemplo? de vez em quando? Depois venham-se queixar do descrédito da política, do alheamento dos cidadãos pela vida pública e pelas eleições...
Valha-nos Santo Ambrósio, ou o beatinho Nuno, ou nossa senhora, alguém?!!!